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011. Luz revelando experiências

A forma como percebemos a luz varia de acordo com nossas experiências e memórias. Um habitante do deserto não vivencia diariamente a luz filtrada pelas folhas de uma árvore, da mesma forma que um habitante da floresta não experimenta o brilho cintilante do mar. Nossa experiência com a luz está enraizada nos lugares com os quais estamos familiarizados, ou na capacidade de lembrar e imaginar diferentes cenários. A percepção, memória e imaginação desempenham um papel fundamental na configuração da nossa experiência com a luz (MILLET, 1996). 

Richard Kelly (2010) categorizou três tipos de luz para o projeto:

O “brilho focal” é exemplificado pela luz natural que entra por uma janela, iluminando uma cadeira de leitura favorita ou uma fogueira – esse tipo de luz atrai a atenção e desperta o interesse.

A “luminescência ambiente” pode ser encontrada em um ambiente com teto translúcido, uma manhã nevada em um campo aberto ou uma sala branca com uma claraboia difusa ao meio-dia – esse tipo de luz suaviza a importância de elementos específicos, proporcionando uma sensação de liberdade e amplitude.

Por fim, o “jogo de cintilações” é a magia da luz: a luz do sol refletida em águas em movimento, o efeito criado por milhares de chamas de velas ou a Times Square à noite – esse tipo de luz desperta sensações, podendo ser uma distração ou proporcionar diversão. Essas são reflexões metafóricas sobre a luz que vão além das métricas e conferem um significado especial ao usuário no projeto.

A luz desempenha um papel fundamental não apenas ao fornecer condições para atividades visuais, mas também ao enriquecer nossa experiência (conforme mencionado nos Objetivos do Projeto Daylighting). Nossas experiências com a luz são influenciadas pelo local em que estamos e pela nossa cultura. Em seu livro, Junichiro Tanizaki (2017) explora a preferência tradicional do povo japonês pelas sombras:

E foi então que percebi: a verdadeira beleza da laca japonesa só se revela plenamente na penumbra. (…) Trabalhos em makie dourado não foram feitos para ser vistos em sua plenitude sob a luz brilhante, mas sim para ser apreciados em lugares sombrios, onde os diversos detalhes assomam aos poucos e de maneira intermitente, um aqui, outro acolá, em misteriosas visões de brilho mortiço e apenas porque o esplêndido padrão está quase todo oculto em trevas“. TANIZAKI (2017)

Millet (1996) explora as influências culturais nas habitações tradicionais ao destacar exemplos como os painéis de shoji nas casas japonesas. Esses painéis são projetados para proporcionar conforto durante o verão quente e úmido, transmitindo uma luz suave que cria um ambiente sombreado.

Em algumas cidades da Holanda, onde a terra é preciosa devido à abundância de água, os lotes de terreno são estreitos e profundos. Isso resulta em edifícios que compartilham paredes laterais e possuem aberturas apenas nas extremidades frontal e traseira. Como resposta a esse contexto, as extraordinariamente grandes janelas são uma busca pela luz em um clima nórdico, dominando a maior área possível das fachadas.

Na Itália, as janelas com varandas são justificadas pelo clima favorável e pelos costumes sociais, permitindo conversas com amigos e familiares na rua. Além disso, o uso de venezianas como proteção contra a luz solar e o calor, ao mesmo tempo em que permite a ventilação, resulta em um ambiente interno mais escuro, transmitindo a sensação de frescor.

Ao projetar as aberturas, percebe-se que há a oportunidade de ir além de simplesmente permitir a entrada de luz ou oferecer uma vista ao usuário. As janelas revelam o caráter das pessoas, do edifício, seus materiais e métodos. Nesse sentido, é importante questionar: qual é a experiência do espaço que estou projetando de acordo com a nossa cultura? Se o objetivo é despertar certos sentimentos e prazeres no usuário, como podemos fazer isso de maneira delicada, levando em consideração suas experiências anteriores?

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Navegue pelo Pinterest para desenvolvimento de repertório:

Referências:

KELLY, R.; NEUMANN, D.; ADDINGTON, D. M. (Orgs.). The structure of light: Richard Kelly and the illumination of modern architecture. New Haven: Yale University Press in association with the Yale School of Architecture, 2010.

MILLET, M. Light revealing architecture. Hoboken, N.J.: John Wiley & Sons, 1996.

PALLASMAA, J. Os Olhos da Pele: a arquitetura e os sentidos. Tradução: Alexandre Salvaterra. Porto Alegre: Editora Bookman, 2011.

TANIZAKI, J. Em louvor da sombra. 1a edição. Penguin, 2017.

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